top of page

VINHO DO DOURO

Eu sou o vinho!

O vinho do Douro!

Provenho das cepas plantadas nos íngremes vinhedos,

qual escada que mergulhando até ao rio, 

nele se banha e se refresca nos dias quentes.

O Douro como diz Miguel Torga é região e rio.

Tudo aqui é obra do trabalho do Homem que,

desfazendo as fragas de xisto

construiu estes altares,

onde o sol reina imperioso no verão

e a geada domina no inverno.

É belo o Douro!

Inspiração de tantos!

Torga, Araújo Correia...

Sou conhecido em todo o mundo.

Ando por festas e festins e por todos sou apreciado.

Mas... por detrás de mim, está a ação do homem do Douro.

Que com as mãos ásperas e calejadas,

tratam da vinha com infinito carinho e sensibilidade,

para que eu possa ser o que sou.

Ano após ano repete-se o meu ciclo.

Após um ano de trabalho e de canseira,

Eis a vindima!

Reina a alegria nos grupos de trabalhadores

que chegam de aldeias próximas - as rogas.

São homens. mulheres e crianças

que se fazem acompanhar muitas vezes

por concertinas e realejos.

Chegadas à quinta,

as rogas são alojadas nas cardenhas, sem quaisquer condições:

dormem sobre palha e cobertos com mantas.

Os dias surgem depressa nas vindimas.

A roga dirige-se para a vinha.

É um trabalho árduo, mas apesar disso reina a alegria.

Mulheres e crianças de costas dobradas, 

horas a fio cortam uvas.

- Cesta! grita-se aqui e ali

e logo corre o rapaz das cestas

para as despejar nos cestos vindimos.

 

O calor aperta, sem se compadecer de ninguém.

Limpa-se o suor.

Bebe-se água que sem estar fresca,

sempre reconforta.

Os homens transportam as uvas para o lagar,

onde são despejadas.

O som do apito marca o ritmo e o andamento dos homens.

O dia chega finalmente ao fim!

Os trabalhadores cansados regressam.

No terreiro enquanto se espera pela ceia,

dança-se, ao mesmo tempo que paira no ar

o doce aroma do caldo que fervilha no pote.

As crianças embora cansadas,

deixam aflorar a sua condição de meninos

e brincam ao que sabem:

às pedrinhas. à macaca, à corda...

Finalmente chega a hora da ceia!

Todos comem com apetite a magra refeição,

no fim de um dia de trabalho:

o caldo de feijões.

Na vindima o trabalho não acaba com o anoitecer!

Depois da ceia, segue-se a pisa das uvas.

E não é tarefa leve!

O cansaço é tal, que por vezes,

erguer as pernas para pisar,

constitui um verdadeiro sacrifício!

Apesar do cansaço o ambiente é animado:

Fazem-se jogos para espalhar o sono.

Os homens chegam ao fim do seu trabalho.

O patrão oferece algo para beber.

Concluída a pisa,

os homens retiram-se para a cardenha,

onde terão o merecido descanso.

No dia seguinte tudo recomeçará.

A quinta mergulha agora num silencio absoluto.

O vinho será envasilhado

em pipas e tonéis de carvalho,

para depois ser enviado

para todos os cantos do mundo.

 

Junto de mim. dentro desta garrafa

vai um pouco de suor, de xisto, de sol...

em suma, vai a essência do Douro...

 

Deste chão para toda a Humanidade

aqui vou eu!

Natália Seixas

bottom of page